Monday, March 03, 2008

Nadas Soltos

Hoje em conversa com um amigo revelei-lhe o meu aborrecimento por não ter ideias para escrever o que quer que fosse aqui no estabelecimento. Às tantas no pequeno rectângulo que possibilita o diálogo silencioso que tanta gente mantém diariamente como ponto de fuga ao trabalho, o meu interlocutor soltou um comentário que verbalizou aquilo que eu andava há não sei quanto tempo a tentar formular, e que se baseava na simples premissa de que é sempre bom escrever, mesmo que seja sobre nada.

NADA. Só a palavra merece hinos e urras. Quantas vezes damos por nós a sorrir sem saber bem porquê, e respondemos a quem nos apanha quase a babar de tanta felicidade anónima: por nada! E daquelas vezes que nos perguntam o que poderíamos pedir mais naquele momento e no pico da arrogância nos damos ao luxo de dizer: Nada! Ou ainda quando ouvimos uma música e a única coisa que espreita pelo meio da imobilidade de pensamento e movimento é uma vontade crescente de insultar o génio que a compôs, por ter chegado a esse fugitivo ponto do Não Mudes Mais Nada!

Quando éramos crianças o Nada não ganhava contornos de absoluto. Era mais uma daquelas palavras que soltávamos no final do almoço, uma espécie de sobremesa sem contrapartida ou responsabilização. O antónimo TUDO era-nos mais imediato. Entrava na ordem do dia a dia. Era quase um ideal de vida. Ou algo próximo a isso, de acordo com a nossa tão perfeita ingenuidade. Lembro-me bem, naquela altura eu queria tudo. E o curioso é que transportando isso para o presente a maior parte dessa vontade não mudou assim tanto. Queria, e quero, deitar-me mais tarde para poder aproveitar melhor o tempo acordada. Resmungava, e resmungo, quando tenho de deixar a diversão pelas obrigações. Não comia, e não como, o que não quero. Comia, e como, o que tem tendência a fazer-me mal. Gostava, e gosto, que as pessoas me oiçam e compreendam. Esforçava-me, e esforço-me, para que me admirem. Conseguia, e consigo, que não me levem demasiado a sério. O que aconteceu em todos estes anos é que vou aprendendo a fazer a equação entre o TUDO e o NADA. O resultado vai variando e é isso que tem piada. A mesma que tinha quando conseguíamos aqueles minutinhos a mais da série preferida porque a mãe estava ao telefone antes de irmos para a mesa ou quando a professora faltava quando já estávamos na aula.

Há quem diga, e provavelmente com razão, que para fazer há que fazê-lo à grande. Não tenho nada contra esse pensamento. Cada qual que o tenha ou não tenha. O que eu sei é que escrever é quase sempre bom. Mesmo que seja só para olear a máquina. Mesmo que seja só para encher o ego ou afastar o aborrecimento momentâneo. Até é bom para relembrar uma menina com um corte de cabelo do pior que pode haver, de bermudas (seja lá o que isso for) a tropeçar na lama do sapal ou a dar cabo de bonecas barbie. Até dá para ficar com um sorriso algo parvo nos lábios. Ainda bem que não há ninguém por aqui, se não lá teria de responder: Por Nada!

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